Historicamente Outro sempre teve importância para Eu. Os primeiros seres humanos (Eus) amparavam-se em Outro para que Eu não sucumbisse: na caça, na coleta de alimentos, na defesa contra animais bravios, na procriação, etc.
Outro sempre foi tão importante que Sozinho, Eu não poderia viver.
Foi dito que o “homem é ser social”, compreendido como “social” um agrupamento de Eus reconhecendo uns aos Outros. É um ciclo: o Eu se reconhece como unidade, mas Sozinho não pode dar conta de sua existência, e assim precisa de reconhecer Outro e com ele interagir.
Mas nem sempre Eu foi muito bondoso com Outro. Algumas vezes Eu era César em Roma e mandava vários Outros para que numa linha de frente de batalha morressem para salvá-lo e defender seus interesses pessoais.
Noutra oportunidade Eu exigia que Outro fosse igual a ele e seguisse os mesmos preceitos e assim, Eu, ao pretexto de criar vários iguais a ele, mandou queimar na fogueira milhares Outros.
Certa vez um Eu chegou ao poder e disse que ele mesmo era o Estado: “O Estado Sou Eu”. E assim este Eu chamou para si a representatividade e o espelho de tudo que Outro deveria obedecer.
Assim, passando o tempo, Eu e Outro foram se distanciando no reconhecimento recíproco. Esqueceram que Eu, no olhar de Outro, era um Outro, e por sua vez, que Outro via Eu como Outro. O círculo não estava se fechando. Ocorreu uma ruptura.
Agora Eu precisa ver a si mesmo. E assim o faz nas redes sociais: Eu faz uma postagem e precisa de Outro, Outro e Outro e todos os Outros lhe dê um “curtir”. Outro se transformou num meio de Eu ser mais visto e reconhecido, independentemente do que Outro seja ou represente. Isto para dizer no mundo virtual que tem dominado a convivência entre Ambos.
Na vida real Eu não tem dado muita importância para Outro. Eu quer e exige que Outro seja um reflexo dele. Se Outro não compartilhar exatamente das mesmas coisas que Eu é, Outro não é Outro: passa a não mais representar nada; deve ser eliminado pela sua insignificância. A simetria entre Eu e Outro foi abalada e Eu é mais importante que Outro.
O que deveria ser um espelhamento de reciprocidade de reconhecimento, passa a ser uma visão de estranhamento ou desdém.
E assim Eu passou a não reconhecer Outro. Outro pode morrer, pode ficar isolado e perde a condição de existir em sintonia com Eu. Antes era a diferença de Outro que mantinha a união de ambos. Era ver Outro como uma forma da continuidade de Eu. Um ser-em-si onde a simbiose era a importância para a existência de Ambos.
Se Eu não se vê exatamente em Outro, Outro não tem significância. Se Outro é diferente, Eu o elimina.
Tristes tempos onde Eu desconhece que ele é Outro também, e nas diferenças devem se respeitar para que se tornem um Ambos. Ambos é a existência harmônica entre Eu e Outro.
O problema é saber se sou Eu ou Outro.
P.S.: Se a leitura do texto ficou difícil, troque as palavras Eu e Outro por um nome próprio cada uma. Preferentemente leia com um espelho à vista.
Ronaldo Galvão