Subitamente, o desejo incontrolável pela escrita
... continuação.
Não demonstrei nervosismo nem medo ao encenar minha primeira peça teatral, titulada “De Noite Eu Conto”, texto de Ana Cláudia SSaldanha, a qual, com Eustáquio de Castro (in memoriam), também assinou a direção. O espetáculo trazia uma versão bem-humorada e adulta de personagens dos clássicos infantis, como a Bela Adormecida, o Lobo e a Vovozinha de Chapeuzinho Vermelho, entre outros.
Nos bastidores, momentos antes da estreia, o elenco brincava comigo, dizendo que meus pais ficariam perplexos e me deserdariam após me verem na pele do Lobo, personagem gay e extrovertido. Ríamos muito, o que deixou o camarim descontraído, fazendo com que eu não sentisse o peso da estreia.
Eu entrava em cena logo nos primeiros quadros da peça. Quando chegou minha vez, alguém do elenco me empurrou, e entrei, meio desequilibrado, no palco da Vila Brasil, famosa casa de shows de Pará de Minas na década de 1990. Ainda me esforcei para pisar no palco com o pé direito, mas não me lembro se consegui. Nos primeiros segundos em cena, brincando como uma bola, caminhando ora nas pontas dos pés, ora saltitante por uma floresta imaginária, criei uma conexão direta com a plateia, que foi ao riso, instantaneamente. Mesmo concentrado, experimentei uma sensação maravilhosa de pertencimento ao mundo, sentindo-me vivo e vendo descortinar em mim uma parte minha que só existia no meu imaginário, a de ser artista. Desejei prolongar aqueles momentos que acalentavam minha alma...
Três meses após minha estreia no teatro, deixei o trabalho pesado na produção de tijolos e me tornei garçom na Cantina Real, um bar/restaurante, com música ao vivo, que marcou a vida noturna em Pará de Minas naqueles idos. O estabelecimento pertencia à amiga de elenco Cida Mendes e a sua companheira, Consuelo Ulhoa. Cida e eu trabalhávamos como garçons e, em alguns momentos, vestíamos figurinos e fazíamos esquetes teatrais. Essa dupla função rapidamente passou a ser um atrativo do estabelecimento. Foi nesse contexto que passamos a ter aulas e ensaios com a diretora teatral Iolene de Stéfano. Esse tempo foi para mim uma escola que me permitiu acessar outras áreas do conhecimento.
Nessa época, continuava no Grupo de Teatro Maracutaia e me adaptava às agendas, em diferentes propostas teatrais. Nesse período, com pouquíssimos integrantes, o grupo passou a fazer trabalhos empresariais e estreamos um texto de René de Obaldia, “O Defunto”, versão teatro de rua. Esse espetáculo foi montado às pressas para arcar com os custos de uma produção de teatro de bonecos feita por mim e por Ricardo Pereira que teve bilheteira fraca. Nas duas primeiras apresentações, cobrimos os custos de montagem, pagamos a dívida e ainda o aluguel do mês...
Minha imersão nos gêneros teatrais, o contato com pessoas engajadas em diferentes produções artísticas, meu interesse pela leitura, sobretudo pelos clássicos universais, e o aprendizado proporcionado por Zanilda Gonçalves nos trabalhos que se seguiram, pautado na sua formação em psicologia e preocupação com formação humana de qualidade, tornaram-se um pilar da arte que, atualmente, produzo. Eu, que não lia, passei a compreender as entrelinhas de um texto, a mergulhar na construção psicológica de um personagem e nas nuances de uma narrativa. Esse conjunto de fatores lapidou meu olhar, deixando-o ainda mais sensível para a vida e seus atrativos... Foram tão intensas as provocações e a imersão em ramificações do conhecimento que, de repente, eu estava tão cheio de palavras que fizeram brotar histórias adormecidas em mim. Num rompante, sem me censurar, comecei a escrever, descontroladamente... Parei quando meu primeiro texto, a meu ver, ficou pronto. Organizei as páginas datilografadas e, confiante, o mostrei a Zanilda.
_ Isso é um texto de teatro? É montável?
Continua...
Foto: José Roberto Pereira
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